terça-feira, 17 de janeiro de 2017

Prezeres da Gramática.


HUMOR - 
                          Prazeres da gramática






Era a terceira vez que aquele substantivo e aquele artigo se encontravam no elevador.


Um substantivo masculino, com aspecto plural e alguns anos bem vividos pelas preposições da vida. O artigo, esse, era bem definido, feminino, singular. Era ainda novinha, mas com um maravilhoso predicado nominal.


Era ingênua, silábica, um pouco átona, um pouco ao contrário dele, que era um sujeito oculto, com todos os vícios de linguagem, fanático por leituras e filmes ortográficos.



O substantivo até gostou daquela situação: os dois, sozinhos, naquele lugar sem ninguém a ver nem ouvir. E sem perder a oportunidade, começou a insinuar-se, a perguntar, a conversar. O artigo feminino deixou as reticências de lado e permitiu-lhe esse pequeno índice. De repente, o elevador para, só com os dois lá dentro.



Ótimo, pensou o substantivo; mais um bom motivo para provocar alguns sinônimos. Pouco tempo depois, já estavam bem entre parênteses, quando o elevador recomeçou a movimentar-se. Só que, em vez de descer, sobe e para exatamente no andar do substantivo.



Ele usou de toda a sua flexão verbal e entrou com ela no seu aposento. Ligou o fonema e ficaram alguns instantes em silêncio, ouvindo uma fonética clássica, suave e relaxante.


Prepararam uma sintaxe dupla para ele e um hiato com gelo para ela. Ficaram a conversar, sentados num vocativo, quando ele recomeçou a insinuar-se. Ela foi deixando, ele foi usando o seu forte adjunto adverbial, e rapidamente chegaram a um imperativo. Todos os vocábulos diziam que iriam terminar num transitivo direto. Começaram a aproximar-se, ela tremendo de vocabulário e ele sentindo o seu ditongo crescente.


Abraçaram-se, numa pontuação tão minúscula, que nem um período simples passaria entre os dois.



Estavam nessa ênclise quando ela confessou que ainda era vírgula. Ele não perdeu o ritmo e sugeriu-lhe que ela lhe soletrasse no seu apóstrofo. É claro que ela se deixou levar por essas palavras, pois estava totalmente oxítona às vontades dele, e foram para o comum de dois gêneros. Ela, totalmente voz passiva. Ele, completamente voz ativa.


Entre beijos, carícias, parônimos e substantivos, ele foi avançando cada vez mais. Ficaram uns minutos nessa próclise e ele, com todo o seu predicativo do objeto, tomava a iniciativa. Estavam assim, na posição de primeira e segunda pessoas do singular. Ela era um perfeito agente da passiva, ele todo paroxítono, sentindo o pronome do seu grande travessão forçando aquele hífen ainda singular.



Nisto a porta abriu-se repentinamente.


Era o verbo auxiliar do edifício. Ele tinha percebido tudo e entrou logo a dar conjunções e adjetivos aos dois, os quais se encolheram gramaticalmente, cheios de preposições, locuções e exclamativas. Mas, ao ver aquele corpo jovem, numa acentuação tônica, ou melhor, subtônica, o verbo auxiliar logo diminuiu os seus advérbios e declarou sua vontade de se tornar particípio na história.


Os dois olharam-se e viram que isso era preferível a uma metáfora por todo o edifício.


Que loucura, meu Deus. Aquilo não era nem comparativo. Era um superlativo absoluto. Foi-se aproximando dos dois, com aquela coisa maiúscula, com aquele predicativo do sujeito apontado aos seus objetos.


Foi-se chegando cada vez mais perto, comparando o ditongo do substantivo ao seu tritongo e propondo claramente uma mesóclise-a-trois.



Só que, as condições eram estas. Enquanto abusava de um ditongo nasal, penetraria no gerúndio do substantivo e culminaria com um complemento verbal no artigo feminino. O substantivo, vendo que poderia transformar-se num artigo indefinido depois dessa situação e pensando no seu infinitivo, resolveu colocar um ponto final na história. Agarrou o verbo auxiliar pelo seu conectivo, atirou-o pela janela e voltou ao seu trema, cada vez mais fiel à língua portuguesa, com o artigo feminino colocado em conjunção coordenativa conclusiva.




Segundo consta no site de onde o retirei, este fantástico texto, escrito por uma aluna de Letras, venceu um concurso interno, na cadeira de Gramática Portuguesa, de uma universidade brasileira. Infelizmente, não foi possível confirmar essa informação, nem identificar a autoria. Vale, no entanto, pela graça e originalidade.


Os dois melhores contos de fadas do mundo.


Os dois menores e MELHORES contos de fadas do mundo:

1. Conto de fadas para mulheres do séc. 21
Era uma vez uma linda moça que perguntou a um lindo rapaz:
- Você quer casar comigo?
Ele respondeu:
- NÃO!
E a moça viveu feliz para sempre, foi viajar, fez compras, conheceu muitos
outros rapazes, visitou muitos lugares, foi morar na praia, comprou outro
carro, mobiliou sua casa, sempre estava sorrindo e de bom humor, nunca lhe
faltava nada, bebia cerveja com as amigas sempre que estava com vontade e
ninguém mandava nela.
O rapaz ficou barrigudo, careca, o pinto caiu, a bunda murchou, ficou
sozinho e pobre, pois não se constrói nada sem uma MULHER.


FIM!!!

2. Conto de fadas para mulheres do séc. 21
Era uma vez, numa terra muito distante, uma linda princesa independente e
cheia de autoestima que, enquanto contemplava a natureza e pensava em como
o maravilhoso lago do seu castelo estava de acordo com as conformidades
ecológicas, se deparou com uma rã.
Então, a rã pulou para o seu colo e disse: - Linda princesa, eu já fui um
príncipe muito bonito. Mas uma bruxa má lançou-me um encanto e eu
transformei-me nesta rã asquerosa. Um beijo teu, no entanto, há de me
transformar de novo num belo príncipe e poderemos casar e constituir um lar
feliz no teu lindo castelo. A minha mãe poderia vir morar conosco e tu
poderias preparar o meu jantar, lavarias as minhas roupas, criarias os
nossos filhos e viveríamos felizes para sempre...
E então, naquela noite, enquanto saboreava pernas de rã à sautée,
acompanhadas de um cremoso molho acebolado e de um finíssimo vinho branco, a
princesa sorria e pensava: -Nem fo...den...do!

sexta-feira, 6 de janeiro de 2017


“O Homem da Ampulheta”



Um colecionador de ampulhetas, isso mesmo: ampulheta é aquele relógio feito normalmente para medir o cozimento de ovos.

Quando o filho do colecionador completou doze anos, ele o chamou e o levou até o sótão, e lhe mostrou uma ampulheta especial, grande, media um metro e oitenta de altura.

E lhe diz: - Filho, essa areia começou a cair na noite em que você nasceu, e vai correr até o dia em que você completar 60 anos.

Sessenta anos? Por quê? Perguntou o menino!

É uma boa idade respondeu o Pai; Uma idade que nenhum dos nossos antepassados conseguiu ultrapassar.

O menino ficou pensativo, mas não ligou muito para o fato.

Duas semanas após lhe mostrar a ampulheta, por coincidência ou não, seu pai morreu, no mesmo dia em que completava sessenta anos.

Com a chave do Sótão ficou o menino, e a ninguém mostrou, ou falou sobre a ampulheta.

Os anos se passavam e o menino, ia crescendo...

Ás vezes passava horas olhando em silêncio, naquele cômodo, a areia caindo devagar.

Aquilo lhe incomodava, era uma agonia! Olhava a ampulheta como, se olhasse o destino.

Cresceu e se casou, teve filhos, mas nada contou para esposa,  nem para os filhos, era um homem estranho, quase não falava, e por emitir poucas palavras, lacônico que era, por isso e por ser estranho, acabou se separando.

A mulher se mudou e com ela levou as crianças,

Sozinho ficou na casa com aquele relógio molesto, o objeto que lhe media a vida, o pouco que lhe restava, não guardava raiva do pai pelo engenho, mas aquilo era uma sina avassaladora.

Passava horas, observando, aquela enorme peça a lhe contar os minutos.

Teve uma ideia, pensou... Talvez burlar o destino! Por que não? Quem sabe? Mais areia, mais dias, mais meses, mais anos, mais vida!







Procurou na ampulheta algum orifício, de cima a baixo; virou e revirou, e não encontrou nenhuma abertura, nenhum orifício, nenhum pertuito por onde pudesse introduzir um só grão de areia.

Consultou os grandes e velhos mestres construtores de ampulheta. Cálculos foram feitos, vistos e revistos, e provaram que estava certo o pai, era perfeito o seu engenho.

Convencido, passou a ficar por mais horas, dias e noites a observar o estranho objeto a lhe consumir os dias que passavam sem respostas.

Quase não dormia, e noites após noites, sentado no chão daquele sótão, via na penumbra à fina e refulgente areia se escoando do reservatório superior para o inferior.

De súbito, numa madrugada despertou, e não aguentando mais; num ato de descontrole, num salto, partiu de socos sobre a ampulheta e arrebentou-a toda, e os cacos lhe cortaram os pulsos e perfuraram muito fundo, e foi disso, de hemorragia que morreu.

A morte foi rotulada como suicídio lógico! Pois ninguém poderia imaginar o que seriam aqueles vidros e aquela areia espalhados pelo chão, e mesmo que imaginassem, nunca entenderiam.



Uma pergunta? Será que não ocorreu ao homem, de, vira-la? Sim!...Inverte-la, para começar a areia cair novamente?

Bem! Se lhe ocorreu não se sabe, ou se tentou não conseguiu, era um objeto pesado demais a velha e grande ampulheta.

Um objeto enorme e pesado, medindo um metro e tanto de altura, pesado demais para um homem que completava naquele exato dia, 60 anos!







Moacyr Scliar.



Adaptação Joel Ferro

Jornalismo Literário


O Prédio





 Visto da rua o prédio não parecia tão grande, ninguém daria nada por ele. É verdade que se viam as filas de janelas até o quarto andar. Talvez fosse a tinta desbotada que tirava a impressão da enormidade. Parecia um velho sobrado como outros,  apertados na ladeira do Pelourinho, ele, colonial ostentava azulejos raros. Quatro andares e um sótão, um cortiço nos fundos, a venda do Fernandes na frente, e atrás do cortiço uma padaria árabe clandestina. Nos 116 quartos mais de 600 pessoas. Um mundo, Um mundo fétido diga-se, sem higiene, qualidades, ou moral, com ratos, escorpiões, palavrões e gente, muita gente!

Operários, soldados. “Árabes de fala arrevesada, mascates, ladrões, prostitutas, carregadores, estivadores, gente de todas as cores e raças, de todos os lugares, com os muitos trajes enchiam o sobrado”.



Joões, Marias, Onofres, Zés, Bethes, Ernestos, Raimundas, Ingrides, Saíbes, Radagazios, Charlés, Roses, Giacomos, Bernabés, Ralfes e Ataídes,.. muitos desses nomes se misturavam aos mistérios que dominavam aquele prédio. E dentro desse esquisito e fétido lugar, estava mais um outro João o tal Jão Fala, ou Jão bom papo, ou Jão Baruião. Era impossível tirar palavras do Jão, era lacônico o sujeito. Ganhou esse epíteto, pois ninguém conseguiu saber seu nome verdadeiro, mas para aquele lugar o nome não tinha importância alguma. Fosse João, Jão, ou qualquer coisa do tipo. Além do mais, o resto das pessoas deveriam ter os nomes inventados e parecidos com o do Jão Baruião.



O endereço de correio desse imóvel, era a venda do Fernandes, bem do outro lado do prédio, quase na entrada, servia aos poucos que se aventuravam a ter um nome.

Ninguém entrava no palacete, a não ser os que lá moravam, ou, uns poucos autorizados. Aquele prédio enorme só tinha uma entrada, as outras foram lacradas. E construído  com enormes porões.

 O tal palacete era datado de 1820 e fora habitado até 1960 pelo último dono, o Barão Bernardo Bentuvio III, que morreu solteiro, velho e sozinho dentro dessa enorme estrutura da ladeira do Pelourinho.

Esse barão, não deixou testamento algum e ninguém apareceu para reclamar a tal herança, nem mesmo pagar a dívida de 300 milhões de cruzeiros de impostos taxados ao tal casarão.

Quase todos os objetos de valor que estava por lá foram levados, “roubados” pelos antigos empregados que não receberam indenizações depois de sua morte, e levaram os muitos valores como forma de pagamento.

Com o estado ficou a posse do casarão que o tombou em 1962 para ser transformado em museu.

Nunca se soube por que não concretizaram a ideia desse museu.

O prédio foi abandonado e esquecido, e acabou invadido por gente qualquer: uma mistura de Putas, viciados, malandros, punguistas, salafrários, ladrões, andarilhos e muitos outros desocupados.

Um dos ilustres moradores do local, era esse “Jão Baruião”, um bebedor de pinga do empório do Fernandes, um comércio que vendia de tudo: Arroz, feijão, farinha, lamparina, lampião, jabá, enxada, galocha, fumo de rolo, marmita, anil, galinha viva, porco, purgante, cigarros e outros apetrechos. Entre as muitas atividades de vendas, estava o ponto de drogas daquela região. Fernandes é Argentino casado com uma baiana chamada Rosa Malandra, colecionadora de amantes espalhados pelo cortiço, entre eles, os principais são uns crioulos da pesada, inclusive abastecedores do ponto de Fernandes “LSD e heroína”.

 O argentino não sabia das escapadas de Rosa, e ela a baiana malandra, também mal desconfiava que o maridão machão e bravo, também era muito chegado a amantes, digo: Uns amantes! Na verdade, o “Platino” adorava usar Ruge e Batom, e pasmem, amava camisolas. Uma ou duas vezes por semana, Fernandes saía para fazer entregas, que só ele podia fazer, e levava sempre consigo uma mochilinha onde devia ter seus pertences femininos. Suas escapadas acabavam demorando bastante, muito tempo, uma eternidade, e voltava sempre muito feliz e sorridente.


Um das coisas esquisitas daquela região era a troca de favores entre todos.  E muitos sem dinheiro, conseguiam “sobreviver”, assim como o tal Jão Baruião que mesmo sem nenhum dinheiro, tomava suas muitas cachaças. Sempre bêbado e calado, circulava por todos os lados, caia; levantava; andava; caia novamente; bebia mais; caia outras vezes mais. Esse conhecia os muitos atalhos do cortiço, sabia e via tudo, mas não falava absolutamente nada! Era lacônico o Baruião.


 E quem ligaria para qualquer história de um farrapo daqueles? 

Morava no térreo daquele cortiço em meio ao lixo, baratas e ratos, num quarto de 36 metros, dos quais só uns seis eram transitáveis. Tinha um fogão jacaré, uma espiriteira (feita com pregos e uma lata de sardinha) em cima de uma mesa de três pernas onde ficava uma lamparina, nesse meio, muitos sapatos de numerações distintas e cores diversas, não importando se direitos ou esquerdos estavam lá assim mesmo! Roupas - uns Trapos amontoados perto de uma banheira velha.

Banheiro? Não tinha naquele quarto! Mas existia sim (um) no corredor, bem ao lá no fundo do andar térreo, era de uso coletivo, e diga-se: Lastimável!

Muitos preferiam usar qualquer canto, menos esse banheiro!

As janelas do seu quarto estavam emperradas pelo tempo, a porta não fechava, e o piso era rachado ao longo do quarto e alguns montes de papelões lhe serviam de cama. Muitas garrafas de pinga espalhados, das marcas: Três fazendas, Tatuzinho, Ximbó, Vai com Deus, Riopedrense, etc. Centenas de pontas de cigarros, os tantos cigarros sem filtro decoravam o piso: Continental, Olé, Marabá, Copa de ouro, Seleto, Capri, Imperador, Lincon, Kent, Mistura Fina...

Numa madrugada de fevereiro 1970, aconteceu um incêndio no quarto de Jão Baruião, provavelmente, ou, quem sabe? Provocado, por querosene que derramou da lamparina, ou, por algum cigarro mal apagado.

O fogo queimou tudo, e Baruião, bêbedo, não pode levantar e nem correr, acabou como vítima desse incêndio, levado para o hospital local, com algumas queimaduras e inconsciente e entorpecido pela fumaça e bebida.

O fogo foi praticamente, ou totalmente apagado pelos moradores locais. Quando, o Corpo de Bombeiros chegou, não tiveram quase o que fazer, o único trabalho, foi o de levar o acidentado ao hospital, fogo já não tinha mais.


Na ocorrência, os relatos estavam fora do padrões,  eram evasivos, com apenas duas linhas na ocorrência que mencionava um senhor sem nome que estava naquele local, da ladeira Pelourinho, também sem numero. Entre poucas palavras que constavam no boletim, era que ele morador não tinha identificação, e sofrera algumas queimaduras.


Baruião foi medicado e ficou em observação por uma semana, pois certas queimaduras foram no rosto, e por sorte, apenas queimaduras de primeiro e segundo graus, as quais, consideradas leves, que acabaram queimando os seus cabelos e barba. Entretanto o médico de plantão relatara, que a sujeira, o “cascão” pelo corpo do desconhecido, acabou por protegê-lo de queimaduras mais graves.

Em meio a tantos curiosos do cortiço na hora do fogo, um se destacava...
Era um observador atento ao fato, esse acabou ajudando no corre-corre para apagar as chamas.

Talvez, teria sido esse tal observador que teria chamado os bombeiros, pois os ocupantes daquele lugar não se atreveriam a algo do gênero. Ele o observador não era tão estranho ao bairro, se fosse nem estaria ali.

Ele também era um frequentador da bodega do Fernandes. Um sujeito de roupas puídas, cabelos desgrenhados e sapatos sujos.  

A única certeza era que os moradores não sabiam que ele, na verdade, era um jornalista disfarçado como desocupado, à procura de uma boa história.

Quanto ao seu segredo, não parecia ser diferente a ninguém dali, pois todos de alguma maneira, também guardavam os seus muitos segredos.

Os mais comuns: Era a origem, nomes, condutas, passados, identidade, nacionalidade, religião, alguns escondiam até a sexualidade...

Mas nome ele tinha de verdade, era Onofre Sales esse tal jornalista. Era contratado junto ao Jornal Diário Baiano, era também escritor nas horas vagas, escreveu alguns contos sem muita divulgação.

Morava de aluguel fora dali, próximo da padaria Árabe, em uma casa de cômodos, de propriedade do Sinhozinho Praxedes, ex-deputado da Bahia nos anos 50, e que também era muito conhecido ao redor.

Sales, por puro interesse, com pensamentos rapino, foi o único a visitar o Jão Baruião no hospital local, tentando sem sucesso algum contato, mas sem êxito.

 Jão era um silêncio só, com um olhar perdido de alguém que não quer mesmo ser percebido.

Onofre Sales insistiu, nos outros dias, até que, com muita marra, consegue arrancar de Jão algumas palavras, coisa inédita!

- O que quer?  Disse Baruião! Dar-me pinga?  Se for isso, aceito! Se não for, tchau! Desapareça!

- Calma,calma! Calminha! Meu Bom amigo! Só quero uma coisinha de nada! Vim aqui devolver o que lhe pertence!

Bom amigo? Quer o que? Devolver-me? Não entendi?

Então, Onofre conta que havia revirado os escombros do incêndio e achou uns papeis e fotografias numa capanga, dentro da velha banheira, o olhar de Jão mudou repentinamente, muito bravo e ameaçador. Com bastante rispidez aponta seu dedo: “devolva meu lixo! É só lixo!” Devolva!

“Calma! devolvo já. Toma aqui, é seu, sei disso, eu não quero incomodá-lo, o que é seu é seu! Eu só quero conversar um pouco.”, falou o jornalista.

“O Que? Conversar Comigo? Está delirando? Sou só um bêbado lixeiro e sujo e sucinto”. Eu não quero falar!

Mas Onofre reparou em sua fala, um ótimo português! Dissera “para que”, sucinto, Dar-me, e não “pra que” , ou me da, como era comum por ali! Falava com um jeito meio acadêmico, de quem conhecia gramática.

Parece que Jão tinha muitos mistérios na vida, inclusive esconder que sabia falar, e falar bem, mas não queria que ninguém soubesse disso!

Onofre disfarçou sua descoberta, para não mostrar-se tão investigador.

E detalhadamente, sem ser interrompido relatou a Jão tudo o que acontecera no incêndio, e que o lugar tinha virado um carvão por inteiro que ia ser difícil ele voltar pra lá. Só há cinzas por lá!

Jão pegou de volta sua capanga, chorou em silêncio, abriu, olhou algumas coisas e abraçou seu objeto,

“você viu as fotos? e meu RG.? Viu?”.

Bem, dizem que os jornalistas são curiosos e sem respeito,

Mas eu sou, além disso, um escritor que gosta de uma boa história, não me julgo desonesto nem bisbilhoteiro.

Eu só abri sua capanga para ver se tinha algum documento, descobri que existia, eu não li acredite em mim! Só vim mesmo devolver!

Jornalista? espantou-se o homem.

Sim! É o meu segredo”, confirma Onofre Sales. Parece que todos pelo bairro são assim, safos e misteriosos. Não sou diferente quanto a isso!

 Não pretendo incomodá-lo, não me interessa quem é você! Apenas quero que me diga algo sobre o prédio e só.

Quero que me conte algo desse misterioso prédio e seus porões. Não me interessa as pessoas.

Tenho vontade de escrever sobre aquele prédio, eu sei que ele tem muitos mistérios, eu gostaria de escrever algo sobre ele.

Jão respondeu de bate pronto:

Não! O prédio não, Desista!

Nunca escreva nada sobre aquele lugar! É bastante perigoso.

Ninguém gostaria da exposição do imóvel.



A história poderia criar interesse de pessoas que não estão em parceria com que lá estão.

Corre-se o risco de desabrigos, mortes, e isso não seria justo de maneira nenhuma. É bom que não mexa com isso, e também vai ser bom para todos e para sua saúde.

Como assim, minha saúde?

Sim! Isso mesmo que ouviu, a saúde de alguns, mudaram quando tentaram mexer com o prédio. Alguns,  tenho certeza, nunca mais precisarão de médico algum.

O jornalista engoliu em seco e sorriu sem muita graça.

Que diabos esconde-se por lá? Pensou...



Iria me dar mal não é? Aquele monumento tem coisa grande por trás, e gente muito grossa metida nisso, certo?


“Se nunca pensar naquele prédio e nas imediações, você não irá sofrer”, concluiu Jão. O qual jornal que você trabalha não é o Diário Baiano?”

É sim! Claro, Como sabe?”

Pois, bem! Sua historia sobre o prédio nunca seria publicada por esse jornal, ou por qualquer outro desse estado!

Quem sabe, pense em uma outra história?

Onofre estremeceu! E pensou para si: como esse farrapo sabia disso? 

Eu não disse nada do jornal, como ele sabia que era naquele jornal?

Em Agradecimento, pela devolução de minha capanga, vou ajuda-lo!

Escreva sobre mim, é uma história que pode interessar. Você viu meu RG? viu?

Bem vamos fingir que você não viu!

Se viu, não prestou atenção no que leu.

Leia aqui no meu RG!”

Sim. É Manoel Saclac e daí?

 - Agora, acho que sou o único que sabe seu nome por aqui!

Talvez seja uma história razoável respondeu o jornalista.

A história do meu nome não lhe agrada?

Será que não lhe diz nada?

Não é muito esperto jornalista, não é nada esperto!

 Faça um anagrama do meu nome!

Onofre pensou, e escreveu num papel, “Calças Leonam”

‘‘Não entendi ainda!

 Pense mais!

É Fácil! Eu era o Leonam das calças. Eu era o dono das empresas Leonam! Calças Leonam.

 “Nossa! que loucura!Puta que pariu! Isso é fantástico! Puta que pariu!

Essa empresa foi um poder há dez anos, acabou sendo negociada por um dinheirão para um grupo americano, das Calças Lee se não me engano, foi um negócio poderoso.

Exatamente foi isso! Mas eu vendi tudo! Até minha casa, junto com empregados carros, cachorro e tudo mais Como dizem:...” De Porteira Fechada”

“Puxa! Que historia fantástica pode ser essa... eu,

Opa! Quieto! Desculpe! Sua história não vai ser essa!

 Isso é só para você saber quem eu fui. Vai ser o seguinte:

Não terá nomes, nem endereço, ou coisa assim:

Vai ser sobre alguém que mora na rua, no anonimato, em um lugar qualquer.

Sobre alguém que era muito rico e poderoso, e tinha tudo o que queria a seus pés.
Era muito próspero, ganancioso, inteligente e boa pinta, casado, pai de três lindos filhos.

Alguém que só fumava charutos cubanos e usava chapéus Panamá legítimo, sapatos de cromo alemão e dono de luxuosos carros, aviões, alguém sem limites.

Esse homem teve um caso com sua advogada e secretária particular, que era também,  era sua própria cunhada.

Esse caso se arrastou por meses, anos...quando foi descoberto pela esposa.

E naquela noite, depois de sair com minha amante voltei para casa tarde.

Ela esperou que eu chegasse a casa, e derramou tudo de uma vez , discutimos ruidosamente, ela pegou algumas poucas coisas, enfiou no carro com as crianças e foi embora, saindo em disparada!  Há dez quadras da nossa casa, o carro capotou e caiu numa ribanceira e morreram todos! fez-se um breve silencio...
Fui o culpado!

Que culpa tinham as crianças? Como eu pude fazer isso?

 Eu nada fiz para impedir que minha mulher fosse embora com as crianças, não fui atrás, e nem tentei segurá-la.

Apesar da minha infidelidade, eu amava meus filhos e minha mulher, eu joguei tudo no Lixo! “Eles não tinham culpa das minhas canalhices, e eu pus tudo a perder”.


Fiquei arrasado, e depois que eles se foram, vendi tudo que eu tinha, nada sobrou!

Anonimamente, doei todo dinheiro das vendas para instituições de caridade e hospitais, e sumi de tudo e todos, a barba cresceu juntamente como meus cabelos, passei a me esconder em diversos buracos, favelas, cortiços, alguns lugares abandonados, matagais, até chegar onde cheguei.

Agora fumo cigarros ruins, bebo as piores bebidas, as mais ordinárias possíveis, calço os piores sapatos. Minha comida é lixo, isso é o mínimo que merece um homem como eu.

Quero ir até meus últimos dias, embriagado, no silêncio, no lixo, morrendo aos poucos para sentir bastante dor.

Fez uma pausa...

Uma história não?

Você não prejudicaria ninguém numa história assim. Será homem que ninguém sabe o paradeiro, talvez, até posam pensar que o tal homem more no exterior, ou,  que já morreu.

Onofre Sales, pensativo, fez menção de dizer alguma coisa, mas estava embaraçado e espantado, preferiu se calar, ao estilo João.

 Não sabia o que dizer para aquele homem, nem mesmo o que perguntar.

 Só disse: ótima  história, mas bem triste!

Eu poderia redigir, e lhe mostrar depois de amanhã?

“Claro que sim!”. Você sabe o que escrever certo?  Veremos como fica isso no papel!

O jornalista escritor saiu silenciosamente, num misto de ternura e dó.

Onofre passou noite em claro, escreveu com muito cuidado a tal história.


E Como prometido, voltou no dia combinado, mas acabou, sendo surpreendido, não encontrou mais ninguém na enfermaria do hospital. Estranhamente, a cama na qual ficava Baruião estava vazia e arrumada. Intrigado, perguntou para enfermeira onde estava o doente?

Ah! o tal doente? Não está mais aqui! Desaparecera há dois dias sem deixar rastros, nenhum sinal, e os guardas do plantão não perceberam seu desaparecimento. 

Onofre confuso, muito pensativo, procurou pelo bairro inteiro, e nada! nem sombra do homem. Lógico que tomou todos os cuidados possíveis á respeito do nome de Jão em sua busca.

Não o encontrou, nem mesmo desconfia se voltará por ali, ou, se um dia voltaria para aquele prédio.

O que importa?

Com a história pronta em mão, leu, releu e esperou por um sinal por algum tempo.


Quando achou conveniente encaminhou-se para redação com a história debaixo do braço.


Na entrada do prédio parou, recostou-se em uma pilastra, olhou para os lados, contemplou seus escritos, retorceu os lábios, e num rápido movimento rasgou todas as páginas e atirou-as em numa lixeira.

E nos calcanhares deu meia volta, ajeitou seu chapéu, sorriu para si, enfiou as mãos no bolso, e assoviando uma melodia caminhou ladeira abaixo.





Joel de Almeida Ferro

Pé de Tento


Pé de tento



Eu ganhei há tempos umas sementes (Um punhado), um pouco maior que um caroço de milho, bonitinhas e avermelhadas, com riscos brancos: Parece um olho de Cabra.

Bem! Perguntei para o Garcia, “ O cara” que me deu as sementes, o que era aquilo?

Ele me disse assim: - O pessoal lá no Rancho usa para jogar truco, serve para marcar os tentos da partida.

- Esta certo! Mas, me diz, como chama essa semente?

- Sei Lá!  Só sei que é para marcar tento de truco!

- Pô! Mas que planta que é essa? Qual o nome??

- Não sei, só sei que da lá na beira do rio!

- Ah! tá bom entendi!

Caramba! Acabei ficando curioso, mas deixei para lá.

Deixei as semente jogadas lá em casa! Depois dei para o meu filho brincar ” Pedro”. Ele brincou, por uns tempos, e as abandonou.

Tempos depois, cansei de vê-las jogadas, e as espalhei por cima da terra, num vaso que tem uma renda portuguesa que ganhei. Mas era só para enfeitar por cima da terra.

Passado muito tempo, Surpresa! Saiu um brotinho bonitinho que nem só, e delicado que só ele.

O Estranho! De tantas sementes, apenas uma brotou o restante acho que a terra consumiu. Apesar de minha intenção, ter sido de apenas enfeitar o vaso, jogando por cima da terra.

O broto ficou forte, com folhas bem grandes e verdes.

E Não é que esse treco brotou bonitão!... Mas qual o nome disso pensava?

Acompanhei seu crescimento só a titulo de curiosidade, queria ver no que dava.

Um bom tempo depois, numa noite, na faculdade eu fui tirar umas cópias na biblioteca, mas estava muito cheio, e resolvi ir à parte externa, lá na rua, numa coisa lá que tira cópias.

(Chama-se Boteco da Zezé) é mole? Boteco?  Boteco que tira Cópias? Sim! Isso mesmo! Um lugar que poderíamos chamar de: Empresa de múltiplos negócios, Tiram-se cópias, Vendem-se Lanches, Contam lorotas, Faz jogo do bicho, Tem televisões... (duas) uma para assistir novelas e outra, futebol, Tem Passe de Ônibus, refrigerante, calcinhas, sutiãs, Cachaça, creolina, Torresmo, lamparina, cigarros de palha, vende até sítio Pegando fogo, Resumindo! Um lugar sem igual, fantástico! Tentador!

É pequeno e barulhento, mas aconchegante, está sempre lotado e não tem hora para fechar.

(Aliás! Essa Zezé é o cão na caneta)

Ah! Pasmem! Zezé vende fiado, e alguns fregueses têm até caderneta, isso mesmo...caderneta lembra?

Entendeu como funciona a caneta né?

Bem, Nesse boteco! Zás! lá no alto de uma prateleira, um pote com uma porção de sementes, igual ás que ganhei!  Eu fiquei curioso, e resolvi tirar minhas dúvidas! Perguntei para Zezé: - Qual o nome dessas sementes ali do pote Zezé?

- Não Sei! Ganhei de um cara da biologia, achei bonitinhas e botei aí para enfeitar! E você até conhece o sujeito! É aquele cara gente fina de Goiás, que só toma Crystal. Isso mesmo! Crystal. (Que Paladar estragadinho né?)

De bate pronto matei! Ah já sei quem é... É o Madureira.

Bem, pensei! Se o cara trouxe as sementes, faz o quarto ano de biologia, com certeza sabe o nome da tal semente.

No recreio ele vem aqui disse Zezé! (Bem pueril esse Recreio né?) bem, é Melhor intervalo.

Encontrei o tal gente fina no intervalo, esse tal Madureira tem um sotaque ótimo! O acaipirado da Região Centro Oeste misturado com o sotaque caipira de Ribeirão Preto é um belo presente para os ouvidos com Rs (Erres) Vórta, Pórta, mórta, àrve, Córguinho e por aí vai. E o tal sujeito fala alto até umas horas, tem o botão enroscado no ultimo. (Parece que foi criado debaixo de cachoeira). Mas, é boníssimo o menino,  é muito divertido papear com ele, é alegria na certa!

É muito doidão o Madureira: Contou-me que numa divergências no primeiro ano de curso com o companheiro de Republica, me disse: que o sujeito era  um mala pesada, sem alça, cheio de arestas, lisa e sem rodinhas.

Numa noite voltando para casa achou uma macumba na encruzilhada, daquelas com farofa galinha preta, azeite de dendê, pipoca, pimenta, pé de bode, velas coloridas etc. Diz que era linda a macumba!  E Pode-se lá ter macumba linda? Ele Teve uma grande ideia, roubou a macumba toda, colocando no porta-malas do carro.

Foi para Republica, e lá, seu companheiro dormia mamadamente  pesado, ele então por vingança, maldade, por sacanagem, Armou de novo a macumba no quarto do cara, com velas acesas, galinha morta e tudo mais! E ainda espalhou pó de carvão no quarto inteiro, acompanhado de umas fotos do tal “inimigo mala” e espalhou pelo chão, e foi embora beber mais.

Segundo o Madureira, Era só pra testar o coração do Cabôquinho (sic)!

Imagine o susto do tal quando acordou sozinho, rodeado pela linda macumba, galinha morta, pé de bode e velas acesas?

O que se sabe, é que o mala andou bravo com todo mundo da republica, xingou todos, esbravejou, chorou de raiva.

O fato é que algum tempo depois, o mala sem alça acabou indo embora, e lógico que ele não sabe que foi o Madureira, pois tinha uns oito moradores nessa Republica!



 Outra do Madureira: quando criança, lá para suas bandas, uma das diversões da molecada, era fazer guerra com merda de vaca! E tinha uns que até estocavam Merda em casa para tal guerra. Pode isso?

 Esse mesmo grupo de moleques,  Tinha como diversão também: Ir espiar (escondidinhos) as meninas, as filhas dos peões da fazenda, nadar no Açude, grande parte delas se banhavam sem nada.

Após as belas visões, eles iam para um esconderijo, atrás de umas Taboas e se arrebentavam na punheta! Imaginem só... oito ou dez moleques naquele ritmo acelerado e fazendo trejeitos e tudo mais!

Devia ser uma cena linda não é?

Quando adultos, ficaram envergonhados, pois descobriram que aquilo era armação das meninas, pois elas sabiam que eles estavam lá espiando! E, sempre após o banho, a diversão das bonitinhas sabe qual era?

Pois bem, elas fingiam que iam embora, davam volta pela mata e, Tcham!! “Bem escondidinhas Também”, assistiam os bestalhões se arrebentarem naquele balé de cinco contra um!

Até hoje eles se perguntam? Como não desconfiamos? Como elas sabiam que a gente espiava? E o esconderijo? como descobriram?

Elas sempre são mais espertas que nós meninos.

Um grande detalhe! – Hoje, eles, já são adultos, e todos se conhecem, pois ainda é uma cidade pequena moram próximos, E até agora Ninguém comeu Ninguém!



Voltando ao Pé de tento, Perguntei ao Madureira qual era o nome cientifico da semente ou, da planta?

Ele culturalmente me responde: - É Pé de tentoo ué!

Impressionante a resposta! Mas acabei por insistir.

Sim eu sei Madureira! Será que não tem um nome especifico, cientifico, ou coisa parecida?

- Sei lá! Só sei que é uma árvona grande! Que chama, Pé de Tento! Tudo mundo lá pela minhas bandas só conhece essa arvona como Pé de tento ué! ( belo português do Madureira.)



Pensei... Bacaninha ele! Que resposta legal! Mas acabei agradecendo.

Valeu Madureira!

Decepcionado, fiz um muxoxo qualquer e saí.

Mesmo decepcionado! Acho que tive um ótimo progresso, pois agora eu sei, que vai ser uma árvore grande esse tal Pé de Tento.

E quem me perguntar em casa qual o nome da dita planta eu nem vou hesitar, e respondo bem rapidinho: É Pé de Tento Ué!











Joel Ferro