“O Homem da Ampulheta”
Um colecionador
de ampulhetas, isso mesmo: ampulheta é aquele relógio feito normalmente para
medir o cozimento de ovos.
Quando o filho
do colecionador completou doze anos, ele o chamou e o levou até o sótão, e lhe
mostrou uma ampulheta especial, grande, media um metro e oitenta de altura.
E lhe diz: -
Filho, essa areia começou a cair na noite em que você nasceu, e vai correr até
o dia em que você completar 60 anos.
Sessenta anos?
Por quê? Perguntou o menino!
É uma boa idade
respondeu o Pai; Uma idade que nenhum dos nossos antepassados conseguiu
ultrapassar.
O menino ficou
pensativo, mas não ligou muito para o fato.
Duas semanas
após lhe mostrar a ampulheta, por coincidência ou não, seu pai morreu, no mesmo
dia em que completava sessenta anos.
Com a chave do Sótão
ficou o menino, e a ninguém mostrou, ou falou sobre a ampulheta.
Os anos se
passavam e o menino, ia crescendo...
Ás vezes
passava horas olhando em silêncio, naquele cômodo, a areia caindo devagar.
Aquilo lhe
incomodava, era uma agonia! Olhava a ampulheta como, se olhasse o destino.
Cresceu e se
casou, teve filhos, mas nada contou para esposa, nem para os filhos, era um homem estranho, quase
não falava, e por emitir poucas palavras, lacônico que era, por isso e por ser
estranho, acabou se separando.
A mulher se
mudou e com ela levou as crianças,
Sozinho ficou
na casa com aquele relógio molesto, o objeto que lhe media a vida, o pouco que
lhe restava, não guardava raiva do pai pelo engenho, mas aquilo era uma sina
avassaladora.
Passava horas, observando,
aquela enorme peça a lhe contar os minutos.
Teve uma ideia,
pensou... Talvez burlar o destino! Por que não? Quem sabe? Mais areia, mais
dias, mais meses, mais anos, mais vida!
Procurou na
ampulheta algum orifício, de cima a baixo; virou e revirou, e não encontrou nenhuma
abertura, nenhum orifício, nenhum pertuito por onde pudesse introduzir um só
grão de areia.
Consultou os
grandes e velhos mestres construtores de ampulheta. Cálculos foram feitos,
vistos e revistos, e provaram que estava certo o pai, era perfeito o seu engenho.
Convencido,
passou a ficar por mais horas, dias e noites a observar o estranho objeto a lhe
consumir os dias que passavam sem respostas.
Quase não
dormia, e noites após noites, sentado no chão daquele sótão, via na penumbra à
fina e refulgente areia se escoando do reservatório superior para o inferior.
De súbito, numa
madrugada despertou, e não aguentando mais; num ato de descontrole, num salto, partiu
de socos sobre a ampulheta e arrebentou-a toda, e os cacos lhe cortaram os
pulsos e perfuraram muito fundo, e foi disso, de hemorragia que morreu.
A morte foi rotulada
como suicídio lógico! Pois ninguém poderia imaginar o que seriam aqueles vidros
e aquela areia espalhados pelo chão, e mesmo que imaginassem, nunca
entenderiam.
Uma pergunta?
Será que não ocorreu ao homem, de, vira-la? Sim!...Inverte-la, para começar a
areia cair novamente?
Bem! Se lhe
ocorreu não se sabe, ou se tentou não conseguiu, era um objeto pesado demais a
velha e grande ampulheta.
Um objeto enorme
e pesado, medindo um metro e tanto de altura, pesado demais para um homem que
completava naquele exato dia, 60 anos!
Moacyr Scliar.
Adaptação Joel
Ferro
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