sexta-feira, 6 de janeiro de 2017


“O Homem da Ampulheta”



Um colecionador de ampulhetas, isso mesmo: ampulheta é aquele relógio feito normalmente para medir o cozimento de ovos.

Quando o filho do colecionador completou doze anos, ele o chamou e o levou até o sótão, e lhe mostrou uma ampulheta especial, grande, media um metro e oitenta de altura.

E lhe diz: - Filho, essa areia começou a cair na noite em que você nasceu, e vai correr até o dia em que você completar 60 anos.

Sessenta anos? Por quê? Perguntou o menino!

É uma boa idade respondeu o Pai; Uma idade que nenhum dos nossos antepassados conseguiu ultrapassar.

O menino ficou pensativo, mas não ligou muito para o fato.

Duas semanas após lhe mostrar a ampulheta, por coincidência ou não, seu pai morreu, no mesmo dia em que completava sessenta anos.

Com a chave do Sótão ficou o menino, e a ninguém mostrou, ou falou sobre a ampulheta.

Os anos se passavam e o menino, ia crescendo...

Ás vezes passava horas olhando em silêncio, naquele cômodo, a areia caindo devagar.

Aquilo lhe incomodava, era uma agonia! Olhava a ampulheta como, se olhasse o destino.

Cresceu e se casou, teve filhos, mas nada contou para esposa,  nem para os filhos, era um homem estranho, quase não falava, e por emitir poucas palavras, lacônico que era, por isso e por ser estranho, acabou se separando.

A mulher se mudou e com ela levou as crianças,

Sozinho ficou na casa com aquele relógio molesto, o objeto que lhe media a vida, o pouco que lhe restava, não guardava raiva do pai pelo engenho, mas aquilo era uma sina avassaladora.

Passava horas, observando, aquela enorme peça a lhe contar os minutos.

Teve uma ideia, pensou... Talvez burlar o destino! Por que não? Quem sabe? Mais areia, mais dias, mais meses, mais anos, mais vida!







Procurou na ampulheta algum orifício, de cima a baixo; virou e revirou, e não encontrou nenhuma abertura, nenhum orifício, nenhum pertuito por onde pudesse introduzir um só grão de areia.

Consultou os grandes e velhos mestres construtores de ampulheta. Cálculos foram feitos, vistos e revistos, e provaram que estava certo o pai, era perfeito o seu engenho.

Convencido, passou a ficar por mais horas, dias e noites a observar o estranho objeto a lhe consumir os dias que passavam sem respostas.

Quase não dormia, e noites após noites, sentado no chão daquele sótão, via na penumbra à fina e refulgente areia se escoando do reservatório superior para o inferior.

De súbito, numa madrugada despertou, e não aguentando mais; num ato de descontrole, num salto, partiu de socos sobre a ampulheta e arrebentou-a toda, e os cacos lhe cortaram os pulsos e perfuraram muito fundo, e foi disso, de hemorragia que morreu.

A morte foi rotulada como suicídio lógico! Pois ninguém poderia imaginar o que seriam aqueles vidros e aquela areia espalhados pelo chão, e mesmo que imaginassem, nunca entenderiam.



Uma pergunta? Será que não ocorreu ao homem, de, vira-la? Sim!...Inverte-la, para começar a areia cair novamente?

Bem! Se lhe ocorreu não se sabe, ou se tentou não conseguiu, era um objeto pesado demais a velha e grande ampulheta.

Um objeto enorme e pesado, medindo um metro e tanto de altura, pesado demais para um homem que completava naquele exato dia, 60 anos!







Moacyr Scliar.



Adaptação Joel Ferro

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